Pressionar a pecuária exportadora é garantir maior espaço para a informalidade que viabiliza a ilegalidade
Diversas notícias divulgadas nas últimas semanas destacam a pressão global relacionando o desmatamento com a produção e exportação de carne bovina brasileira. Representantes do agronegócio, lideranças e diretores de indústrias expressaram suas preocupações e passaram a pressionar por soluções mais eficazes no controle do desmatamento.
Oportunistas do ambientalismo radical tentam emplacar a narrativa segundo a qual tais pressões seriam fruto de amadurecimento do agro que, finalmente, teria percebido a importância da legalidade e da proteção ambiental.
Além de uma generalização preconceituosa, tal narrativa é mentirosa. Todo sucesso e avanço do agronegócio brasileiro foram construídos em bases sustentáveis e dentro da legalidade. A produtividade aumentou com profissionalismo, gestão da cadeia produtiva, uso correto de insumos, modernização das indústrias, garantia da qualidade dos produtos etc.
O sucesso do agronegócio não depende do desmatamento ilegal. Muito pelo contrário, pois tais operações engrossam a informalidade que ainda permeia a economia brasileira. No caso dos frigoríficos, a oferta de carne sonegada, ou mesmo produzida sob critérios menos rigorosos de fiscalização, compete de maneira desigual com a indústria exportadora.
Representantes do setor frigorífico relatam casos de indústrias que migraram para sistemas de fiscalização regional, evitando os custos mais elevados de operação para atender as exigências da fiscalização pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Os benefícios não estão compensando.
Independente da proporção de plantas que mudaram o sistema de fiscalização, é fato que a participação da fiscalização federal na produção de carne formal tem se reduzido nos últimos 15 anos. Essa participação caiu da faixa pouco acima dos 80% entre 2006 e 2009 para os atuais 76% da produção formal.
As maiores pressões ambientais, que culminaram com as assinaturas dos Termos de Ajuste de Conduta (TAC) entre frigoríficos exportadores e Ministério Público Federal, começaram a se intensificar naquele período. Os primeiros TACs foram assinados em 2009.
Mesmo com o considerável aumento nas exportações, que atingiram recordes nos últimos anos, a proporção da fiscalização federal foi reduzida, embora a produção tenha aumentado quase 1 milhão de toneladas. A produção com fiscalização estadual, principalmente, aumentou quase a mesma proporção do que a federal.
O período analisado mostra uma reversão na tendência de aumento na produção fiscalizada pelo sistema federal. Enquanto há um esforço da cadeia produtiva em se modernizar, melhorar a qualidade, garantir o acesso a mercados internos e externos mais rigorosos, o crescimento da participação de fiscalizações menos exigentes parece caminhar no sentido contrário.
É fato que, a partir de tais observações, não se pode atribuir toda a causa às pressões ambientais. Mas não há dúvidas que contribuem com o conjunto de fatores que tem tornado o ambiente mais difícil à sobrevivência das empresas que optam em se adequar às maiores exigências.
É por essa razão que boicotes ou pressões sobre a carne bovina brasileira possuem efeitos ineficazes no controle do desmatamento ilegal. Inclusive, há o risco de piorar o problema, visto que fortalece a competitividade da produção informal ou de menor rigor fiscalizatório.
Pressionar a pecuária exportadora é garantir maior espaço para a informalidade que viabiliza a ilegalidade. Como sempre dizem no mercado, não há vácuo nos negócios. Se a produção organizada se fortalece, o espaço para a ilegalidade fica mais restrito.
Diferente da narrativa dos oportunistas, o motivo que tem levado lideranças e representantes de empresas do agronegócio a externar suas preocupações não é em relação ao desmatamento, mas sim pela enorme injustiça da comunicação falaciosa contra o agronegócio brasileiro.
A preocupação com a conservação das áreas e do solo está presente no setor há décadas. É o agronegócio brasileiro que vem inovando e introduzindo conceitos cada vez mais conservacionistas na produção de alimentos. Quem perde com a má imagem do Brasil lá fora são justamente os responsáveis por tais avanços. São aqueles que implementaram o plantio direto, o cultivo mínimo, a integração entre lavoura e pecuária, a melhoria zootécnica de produção e o aumento da produtividade das pastagens. Em 30 anos, apenas a pecuária evitou que 270 milhões de hectares fossem desmatados e ainda devolveu 30 milhões de hectares para regeneração da flora brasileira.
O que há de novo nesse debate é que toda a responsabilidade em conter operações ilegais está recaindo justamente sobre quem opera na legalidade. Enquanto a ilegalidade é operada por agentes marginais às cadeias produtivas, são exatamente aqueles que insistem em implementar as práticas recomendadas que acabam sendo alvejados.
Em termos de resultados práticos, qual é o sentido em penalizar quem opera com as boas práticas, dentro da lei? Essas ações não acabam abrindo espaço e facilitando o crescimento da produção ilegal?
Até o momento, infelizmente, o debate sobre sustentabilidade foi conduzido de forma dogmática, carregada de preconceitos. A ciência, quando envolvida, não foi aplicada de forma holística, multidisciplinar, assim como acontece com a produção rural.
Faltou participação dos pesquisadores que entendem de produção, de fertilidade do solo, da dinâmica fisiológica das pastagens e da interação entre solo, plantas e animais. Faltaram conhecimentos de microeconomia na produção e análise do comportamento histórico da pecuária. Sobraram estudos tido como conclusivos, porém embasados em premissas equivocadas. São os “donos” destes estudos que dizem falar em nome da ciência, mas se irritam quando a ciência os leva a conclusões diferentes de suas crenças.
É preciso levar o debate a sério, aceitando pontos de vistas ou resultados que não se comunicam com a narrativa em voga.
Mas enquanto essa seriedade não vem, por sorte da sociedade, do meio ambiente e dos mais pobres, há um tipo de gente que acorda todos os dias disposta a implementar os conceitos de sustentabilidade em seus negócios. Não participam do debate, estão apenas em silêncio, trabalhando. São a estes que um dia deveremos gratidão pela sua competência e resiliência.
Será que nesse dia a sociedade se lembrará que tentou culpá-los pela ineficiência do estado em fazer cumprir a lei?
Por Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo e diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária