ARTIGO: Os benefícios visíveis do quilo da carne

Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo 

Na segunda-feira, dia 17, o artigo “Os custos invisíveis do quilo da carne”, publicado nesta Folha, sugeriu a relação entre impostos e desmatamento, raciocínio formulado a partir de dois estudos recentes.  Sem nenhuma repreensão aos autores, julgamos importante esclarecer alguns pontos para que decisões equivocadas não se baseiem em conclusões incompletas.

Durante décadas, o crescimento da pecuária brasileira foi consequência do avanço para o interior, e não a causa. Após a consolidação do plano Real, a atividade passou a liberar áreas para o avanço da moderna produção agropecuária.

A partir de dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é possível constatar que, no período compreendido pelos estudos (2008 a 2017), foram desmatados 7 milhões de hectares, 11 milhões foram convertidos de pastagem para agricultura e outros 16 milhões de hectares iniciaram o processo de regeneração, por meio da substituição de pastagens degradadas pela vegetação natural.

Nos estudos, o desmatamento entrou como passivo atribuído exclusivamente à pecuária na contabilização de emissões de carbono, critério relacionado à mudança do uso da terra. Por outro lado, o saldo da área de pecuária repassada para outras ocupações não entrou como ativo na remoção de carbono.  Um peso, duas medidas.

A ponderação entre sistemas mais e menos sustentáveis foi efetuada com base no rebanho e não na produção. No período, o rebanho aumentou 7%, enquanto a produção cresceu 24% em uma área que recuou 3%. A produtividade aumenta nos sistemas mais sustentáveis, o que demanda uma revisão no critério de ponderação da pegada de carbono pelo total de carne produzida.

A produção oriunda de áreas desmatadas ilegalmente abastece o mercado informal e não a cadeia produtiva organizada. Tanto é que indústrias, produtores e associações participam da campanha “Seja Legal com a Amazônia”, ação que visa combater o desmatamento ilegal. Mesmo assim, a área de desmatamento foi atribuída apenas à produção fiscalizada, superestimando as emissões de carbono por quilo de carne produzida.

O estudo de subsídios da carne considerou dois recursos que não deveriam ser computados, justamente os mais expressivos, segundo as conclusões. O primeiro é a desoneração da cesta básica, benefício concedido à população mais carente. O segundo é o Pronaf, cuja apropriação deveria ser adequadamente ponderada. Um dos números mais preocupantes identificados pelo Censo 2017 é em relação ao público alvo do Pronaf. Esse público soma 76% do total dos estabelecimentos pecuários do Brasil e movimentou apenas 16% do total das vendas. Portanto, o peso deste benefício na produção é ínfimo, embora seja relevante para as famílias necessitadas.

A preocupação em expor tais esclarecimentos não objetiva advogar em defesa de subsídios, mesmo porque eles inexistem.  A ameaça reside numa eventual oneração da cadeia produtiva, com prejuízos diretos à produção mais dinâmica, responsável por toda a modernização no campo. Tal oneração também afetaria as famílias mais necessitadas, tanto as que lutam para não engordar as estatísticas do êxodo rural, quanto as vivem na cidade e almejam mais acesso a proteínas de qualidade.

Por Maurício Palma Nogueira, diretor da Athenagro e membro do Conselho Diretor do GTPS (Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável), publicado em Tendências e Debates  da Folha de São Paulo, sábado dia 22/02/2020

 

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